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Yes, eu reviro a PartoNosso!

Do Ric Jones, Qui, 8 de Jan de 2004 10:25 am

Genética

Meus filhos são um exemplo claro da genética aplicada à vida comum. Meu filho tem olhos castanhos. Minha filha os tem cor de mel. Meu filho gosta de castanhas e minha filha passa mel no pão.Eu acho isso fabuloso...

É impressionante. É daquelas coincidências na vida que vc pensa: "Deve existir alguma coisa maior, muito maior. Aí olho de novo pro seu contracheque e começo a chorar"...


Por falar nisso (em genética e hereditariedade), há alguns dias atrás, uma moça me disse a seguinte frase: "Eu tive os meus três filhos de cesariana." Pobre coitada e incauta. Estava falando de missa face a face com Nosferatu. Olhei para seus olhos azuis que mais pareciam "dois peixinhos em um aquário tropical", no dizer de Aldir Blanc.
- Porque, perguntei eu. - Qual a indicação das tuas cirurgias?
Ela aprumou-se na cadeira e respondeu:
- Na primeira eu não tive dilatação. Já estava com 9 meses completos e nada. Para piorar, o bebê não estava encaixado. O meu médico disse que era melhor operar para não arriscar, e eu fiquei bem contente. Não adianta, eu não tenho dilatação. Filho comigo só se for por cesárea. Minhas irmãs são todas assim também: só cesária.
Genética. Hereditariedade. Um padrão de "falta de dilatação" que se manifesta em uma geração inteira de um grupo familiar. Alguém já escutou essa história antes? Bem, eu não havia prometido nada inétito.
- E as outras cirurgias, qual a razão, continuei.

- Bem, a segunda eu estava com 38 semanas e o líquido estava em pequena quantidade. Na 4ª ecografia é que apareceu isso. Além disso o médico achou que poderia ser muito grande e, como eu já tinha uma cesariana anterior, eu deveria me operar de novo. Marcou a cesariana para dali uma semana, e o bebê nasceu com 3 kg.
Maximilian diria: "Querida, encolhi o bebê!!"...
- Ok, disse eu. A terceira vc não precisa me dizer. Posso adivinhar? Bem.. Você já havia feito duas cesariana e tinha mais de 30 anos, certo?
- 31, emendou ela.

- Aí, continuei, você disse ao médico que queria fazer uma "ligação", e a cesariana foi para dar um nó nas trompas, correto?
- Isso mesmo. Sabe como é... não dá para botar filho no mundo, porque hoje em
dia e vida, os bandidos, e o custo de vida..
Desliguei meu ouvidos por uns instantes e coloquei na minha mente uma música do
Ray Charles, "Song for You". "I love you in a place where there´s no space and time" ... Minha amiga mivia a boca com suavidade, mas as palavras se perdiam sem que eu as escutasse. Fui obrigado a desligar meu CD player mental quando a mímica dos seus lábios indicou que ela havia parado a cantilinária das esterilizações voluntárias.
- E o que vc achou da sua experiência na maternidade nesta vida, perguntei eu, antevendo que iria me incomodar.
- Eu achei ótimo, disse ela abrindo um sorriso alienado. Não tive contrações, não sofri, continuei "apertadinha", não precisei fazer força e não me incomodei tendo que ir correndo pro hospital. Para mim foram experiências ótimas e os meus filhos são saudáveis, apesar do terceiro ter ficado 1 semana no hospital depois de nascer por ter problemas pra respirar.
Respirei fundo. Ao longe, em outro bairro, sentado em uma mesa de bar, Maximilian coçava a barba e olhava a alva espuma de uma Bavária. Fiquei sério por alguns instantes. Lembrei de Nadine me dizendo que "apenas os idiotas acham que podem consertar o mundo". Ela tinha razão, mas "só os desprovidos de coração não tentam", emendava Maximilian.
- Pois eu vou te contar a história dos meus filhos, disse eu.

Ela acomodou-se na cadeira e inclinou sua cabeça para frente.

- Eu tenho dois filhos e ambos são muito parecidos com o pai, disse eu. Mas o
pai deles não sou eu: é um padeiro que mora lá perto de casa. Sabe como é: filho comigo só se for por inseminação artificial. Eu não tenho ereção, sabe como é...
Ela me olhou e fez uma careta. Ainda não tinha feito a sinapse.

- Pois eu acho muito melhor assim, continuei. Sabe, nasci com esse problema de
falta de ereção mas isso não me incomoda nem um pouco. Eu não sou menos homem só porque não tenho ereção, não concordas? Algumas pessoas conseguem, outras não. Eu tenho a entrada das veias muito estreita, muito fechada, então não passa sangue. Foi assim que meu médico me explicou.
Ela continuava me olhando estranho. Como eu usava uns termos rebuscados ela
acreditava que o que eu estava relatando era a cópia fiel da verdade. Continuei meu discurso.
- Pois sabe que eu achei até melhor assim? veja bem. A gente não precisa ficar naquela angústia toda de se "sair bem". Nenhuma mulher vai ficar por aí falando mal da sua "performance", né? Eu, quando realmente precisei "dele" pra algo útil (alem de fazer xixi, no que ele se comporta muito bem), solicitei o auxílio da tecnologia. A tecnologia não está aí para nos auxiliar? Ela não existe para que rompamos as nossas limitações humanas? Pois foi isso que eu fiz. Comprei sêmem e fiz uma inseminação artificial. O importante é as crianças nascerem felizes e saudáveis, não concorda?
Ela balançou a cabeça instintivamente, mas antes que fosse dizer algo eu arrematei.
- E eu acho que foi o melhor para mim. O tal padeiro nem é um cara feio, e os meus filhos herdaram boas coisas dele. Nao serei jamais culpado por algum traço genético ruim (tipo um queixo grande ou uma careca precoce). Não precisei me apavorar com minha "pontaria" em engravidar alguém: foi tudo feito em um laboratório e com hora marcada. Minha mulher não se importou, e muito menos eu, porque afinal o importante...
- ...é os filhos nascerem saudáveis, completou a minha amiga, já de saco cheio.
Ela estava com cara de brava. Fuzilou-me com os olhos e disse:
- Eu não acredito em vc.
Olhei docemente para seus belos olhos azul água e respondi:
- Essa é a nossa diferença: eu acredito em você.

Num bar distante, na outra esquina da cidade, Maximilian levanta-se para urinar. Caminha dois passos em direção ao banheiro, mas no meio do caminho pára. Olha para os letriros do bar, para a calçada molhada pela chuva e para a bela garçonete que o atendera. Volta a sua face para a mesa onde estivera sentado e observa a espuma desaparecendo no copo agora vazio. Uma melancolia mesclada com plenitude vesical, pensou ele. Abre um sorriso tímido e fala para si mesmo, não
importando se alguém vai ouvir:
- Patu saleh!!
Patu saleh, camarada.

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