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Tiro no Pé - Ric Jones

O médico é o único indivíduo nesta sociedade que pode causar dano físico a outrem sem que isso incorra em crime. Isto é: é o único que passa uma faca na sua barriga e você ainda tem que pagar!! Desta forma, o médico goza de um status especial. Algo como o James Bond e sua "licence to kill". Parecido apenas, tá?

Entretanto, essa sua licença especial para "causar dano físico" tem seus limites, e eles se situam na fronteira do necessário.

Se for preciso infringir dano PARA SALVAR a vida, ou estimular a saúde (como uma cirurgia, uma droga potente, etc...) este tipo de atitude (que poderia ser vista como agressão) é entendida como válida. Até mesmo salvadora. Acima de tudo, nobre.

Daí se percebe que um procedimento médico deve estar embasado na superação dos benefícios estimados sobre os malefícios inerentes à qualquer intervenção.

Se sabidamente estes transtornos inevitáveis não apresentam uma contrapartida explícita de vantagens em torno da saúde, existe uma inadequação de ordem ética.

O adágio primeiro da medicina (o Hipócrates havia previsto isso) é "Primum non nocere", isto é, "Primeiro não cause dano". Com isso se estabelecia um dos pilares fundamentais da medicina: o princípio da não maleficência.

Cesarianas sem justificativa médica agridem este pressuposto mas....

E as cirurgias plásticas estéticas? Não agridem também?

Se existe uma justificativa "médica" para ter seios apontando para o teto, deve existir também para não ter dores no pré-parto e para diminuir a ansiedade.

A realidade é que tais razões são de ordem subjetiva, não quantificáveis...

Se achamos crime cesarianas com hora marcada, deveríamos achar também as plásticas estéticas.

Se acreditarmos que uma mulher pode arriscar sua vida para ter um nariz menorzinho, podemos também crer que elas podem escolher ter seus filhos da maneira mais arriscada. Como diria o arquiteto a Neo "Tudo se resume a escolhas".

Em função disso eu, mesmo reconhecendo a questão ética delicada envolvendo cesarianas por demanda materna, prefiro acreditar que as mulheres têm o direito de escolher. Maximilian me ensinou muito cedo isso (mas como sempre eu aprendi tarde): "Humanizar o nascimento é restituir o protagonismo à mulher. O resto é sofisticação de tutela". Impedir o nascimento por via cirúrgica sem indicação, usando o poder da lei para proteger mães e bebês, é uma linda sofisticação de tutela, mas continua entendendo as mulheres como seres inferiores, que precisam ser tutelados para adotar o melhor caminho a seguir.

Proibir cesarianas, e com isso impedir escolhas ruins, pode ser um tiro no pé. Ao mesmo tempo em que protegemos as mulheres dos problemas de uma cirurgia as colocamos num patamar inferior da sociedade. Incapazes de fazer escolhas por si acabam se tornando como crianças, que precisam de uma mão forte a guiá-las.

É preferível a liberdade extravagante à prisão ajuizada.

Acredito que as mulheres devem escolher livremente as suas opções, mesmo que isso as conduza a escolhas tolas, como uma cesariana, na qual acabam perdendo o "melhor da festa".

03/09/2009 - Partonosso

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